quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Manuela Ferreira Leite

Em resposta ao meu elogio ao Obama e ao meu suspiro "quem me dera ter um político assim em Portugal", diz o André:

"Pois, a verdade é que em Portugal temos melhor... Temos uma senhora com vasta experiência governativa, com uma formação académica exemplar, com experiência profissional fora do estado. Uma senhora que tendo já a sua vida mais que resolvida, que podia ficar sentada em casa a gozar a companhia da família e uma significativa reforma, escolheu servir o país. Uma senhora, que ao contrário de Obama, não nos serve retórica vazia em cada em cada discurso, mas antes a verdade dura e crua, sem euforias carnavalescas, com seriedade. Enfim, só não percebe quem não quer..."

Eu não conheço assim tão bem Manuela Ferreira Leite, André, tal como não conheço assim tão bem Obama. Mas queria dizer várias coisas:

- a retórica é importante. O simbolismo, a esperança, as ideias e os ideiais são importantes. As acções começam muitas vezes com palavras. O Obama traz todo um simbolismo enorme dentro dele. E traz uma retórica de mudança, um discurso político político e bem montado. Mas mais importante, as pessoas acreditam nele. E neste mundo cínico, haver alguém no poder em que as pessoas acreditam é essencial. Não se pode fazer uma boa reforma contra (ou apesar de) as pessoas. Tem de se fazer com as pessoas. Mais ainda, as pessoas precisam de fazer as pazes com os governos. Precisamos de cortar com a lógica egoísta e autista que há de fazer política. Precisamos de cortar com o cinismo e com o egocentrismo. Cada um a olhar por si não nos vai levar longe... Precisamos de ser uma sociedade onde para além de liberdade e igualdade (que ainda não há) haja também o que cada vez mais falta: solidariedade. E isso apenas valerá se as pessoas acreditarem. Se houver utopias.

- O Obama tem uma formação exemplar. E experiência fora do estado. Não governativa, mas isso importa? Tem algo que para mim é mais importante: experiência em dar-se aos outros. Neste mundo cínico e egoísta é bom que haja pessoas destas.

- A Manuela pode ser e será uma pessoa com qualidades. Mas não entusiasma. Pode ser uma boa técnica, pode dizer a verdade, mas não motiva. E isto não vai lá só com números. A governação não é apenas tratar do défice. Aliás, o que é importante não é que as pessoas sejam ricas, mas sim que sejam felizes (para o qual, claro está, é bom que tenham dinheiro). Não digo que o estado seja o responsável pelo bem estar emocional de cada cidadão, mas acho que deve criar um bem estar social geral. Criar as condições para que as pessoas possam - se quiserem e fizerem por isso - ser felizes.

- O Obama diz as coisas com euforias carnavalescas? Eu nunca o vejo eufórico. As pessoas ficam eufóricas ao ouvi-lo? Ainda bem que as pessoas têm emoção, que há emoções na política. Não é virtude ser-se sempre frio. Não mostrar emoções não é sinónimo de ser-se sério e rigoroso. Conseguir envolver as pessoas é muito bom. Com boa vontade consegue-se mais do que com bons argumentos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bem, muito obrigado por me teres respondido no corpo principal do blog.
O meu comentário foi mais um desabafo que uma provocação, mas percebo que o tenhas entendido como tal. Eu aprecio muito a MFL, por todas as coisas que já disse, mas sobretudo pelo estilo. Não é só a credibilidade, é mais. É a respeitabilidade. Num mundo em que já não há respeito por nada, em particular pelas instituições, acho que ela recupera algo que temos vindo a perder. Isto porque sou sobretudo um institucionalista. Tens aqui a carga simbólica que lhe atribuo. Não é só uma técnica, é muito mais do que isso. Ainda assim, quando dizes "poderá ser uma boa técnica" duma forma mais ou menos desconsiderativa, acho que não estás a ver a questão dum ponto de vista prático, quantos bons técnicos temos na política? E ela soube rodear-se dos melhores quadros técnicos que há no psd, lembro-me do António Borges (ex-presidente do INSEAD), mas haverá outros.
Relativamente à retórica do Obama, tenho pouco a dizer, conheço pouco, ouvi pouco, não me interessa. Mas todas aquelas promessas sobre um seguro de saúde para todos, sobre a retirada do Iraque etc não me parecem muito bons indicadores.
Quanto à tua primeira observação, não podia estar mais de acordo contigo, queremos na política gente bem formada, com sentido de missão. Mas o mesmo sentido de missão que reconheço ao Obama, reconheço à MFL.
Enfim, o que me aborrece é não encontrar mais gente a partilhar do meu entusiasmo, porque se o adversário interno fosse o Obama, eu compreendia. Mas não é, nem está lá perto. Pior para nós...

/me disse...

André, entendi o teu comentário como o exprimir de uma ideia. Também como uma provocação no sentido positivo de provocar um debate. :)

O meu objectivo ao dizer "poderá ser uma boa técnica" não é de desconsiderar Manuela Ferreira Leite. Uso a palavra "poderá" porque não sei se de facto o é. Não tenho um conhecimento concreto do que pensa e fez a Manuela (perdoe-se-me o tratamento pelo primeiro nome). Sei que ela usa as palavras rigor, transparência, etc, mas não sei (declaro a minha infeliz ignorância) se esse discurso depois é substanciado. O Sócrates também usa esse discurso sem substância, mas vende muito bem a sua imagem. É muitas vezes difícil distinguir a imagem da realidade...

O mesmo se aplica ao Obama, pois claro. A diferença é que no Obama, a imagem entusiasma, na Manuela não. E o entusiasmo é essencial, porque altera a forma como as políticas vão ser percepcionadas. Um exemplo disso é o facto do Sócrates se escapar com coisas que se fossem feitas pelo Santana caía o Carmo e a Trindade.